domingo, 6 de julho de 2008

Anjos caídos

Vagueámos na noite, como que perdidos antes de o dia nascer.

Deambulamos por caminhos que nos supostamente nos indicariam as cores da vida, as razões de algo que nunca chegámos a entender convenientemente.

Levámo-nos por os tais ideais, caímos pelas nossas imperfeições, pelas tentações que nos foram aparecendo pelo caminho, enquanto um Deus que nos lançou para um circo de feras contempla com desdém as nossas acções e nos amaldiçoa pelo não cumprimento das suas leis.

Sentimos a dor lacerante da proscrição imposta por quem um dia nos amou como a seus filhos, a queda a que nos sujeitou como que uma acção pedagógica, como que um exemplo a retirar, nos faz cair nos braços de uma humanidade que de tão humana se replete de erros e de imperfeições.

Como construtores da torre de babel, fomos amaldiçoados com a língua afiada que nos separa de tão diferente que é.

Um dia guardiões do éden para no momento seguinte, apenas gritarmos entre os sons distintos de cada arma que um dia empunhámos com o vigor de uma vida que se defende e que vemos escorregar por entre os dedos.

Através dos olhos de um anjo que chora pelos seus irmãos caídos vemos a inexistente confiança numa humanidade que demora a se encontrar.

Somos anjos caídos que perderam a beleza do voo, em troca do sangue que jorramos e que nos faz sentir vivos, abdicámos de uma imortalidade em troca de um momento, em troca do entendimento, da sabedoria, do amor…

Experimentamos o peso da troca, no entanto o tão desejado arrependimento não imerge pois o ímpeto do querer sentir esse mesmo peso que tão nos custa carregar é mais vigoroso e mais intenso que a santidade inicialmente proposta.

Trocámos tudo por essa singular capacidade, a de sentir, no entanto, a dormência que nos aflige em grande parte da nossa vida, faz com que esqueçamos o propósito de uma queda tão colossal, dormência essa, que deriva do medo que temos de evidenciar o que sentimos, pois a fragilidade com que somos confrontados com essa hipótese cobre-nos os olhos como se de um muco baço se tratasse.

Uma queda que deveria significar, um acordar para a vida facilmente se pode transformar em algo estéril e fútil. Abdicámos de asas pelo sentimento que não admitimos.