quarta-feira, 21 de maio de 2008

Alegoria

Essas ruas cheias de gente, gente sem rumo nem guarida, gente dispersa por ideais que a fizeram perder o leme da sua própria vida, a rima dos seus versos.

Na multidão de um só, se encontra aquele que não se prostituiu nas ruas das palavras vomitadas por quem manda. Na multidão de um só se encontra aquele que não se deixou levar pelas ideias de outro e foi seguindo as suas como lei.

Aquele que conseguiu, no meio de tantas palavras lançadas no ar, finalmente ouvir a sua própria voz, acabou de conseguir a vitória da sua vida, venceu a sua própria vontade de ser mais um numa multidão em que já não se reconhecia.

Andar pelos seus próprios pés, é algo que o apavora, mas aquele que finalmente se encontrou nas ruas de todos e não de apenas alguns, ganha força e vontade. Contra os moinhos de Quixote ele marcha com a vontade dos loucos e a sobriedade de quem finalmente consegue olhar e compreender que o que o atemorizava, não passou de uma peça de fantoches que se manipulavam por de trás de uma cortina de fumo…

No meio da sua correria desenfreada ele olha para a desolação que o rodeia. Anjos caídos, beijos corrompidos, beijos que haviam sido dados pela humildade de quem ansiou por aquele momento.

Os puros, esses tontos que nada esperavam senão pela ilusão de algo abstracto na vida como a verdade nua e crua, agora ensanguentada pelas mordidas dos cães que a tentaram abater, os puros que apenas ousaram sonhar por algo que lhes parecia simples, esses, acabaram na dormência da desilusão.

O coração dispara, a garganta fica seca com o grito de uma revolta intrínseca que o queimava por dentro, finalmente os seus olhos estavam abertos, finalmente a inquietação de uma alma adormecida saiu à rua.

No seu grito reparei que chamava por ti e por mim, continuei o meu caminho sorrindo baixinho e timidamente pensei: - Finalmente…

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Voa

Voa para longe, voa para junto de mim, não te percas.

Espero por ti, espero por tudo o que representas, desespero na espera. Que seja curta, então. Que seja enquanto estiver de olhos cerrados, dormindo num sono profundo, para que não sinta o tempo passar.

Não deixes de voar, não deixes de sonhar. Veste o teu pijama e voa até mim, em sonhos, não importa. Sabes que os nossos sonhos são simples, sabes que para além da presença do sonhador, que apenas exigimos a presença de alguém com quem sonhamos, não é muito.

A simplicidade de um simples toque, que nos negam, que negamos a nós próprios, por questões estranhas ao ser e ao instinto. A mais pura incoerência do ser, a mais pura negação do ar que se respira, e cuja falta só sentimos quando nos é recusado.

Atravessa as paredes, atravessa os rios que separam as margens de um ser uno que um dia ficou rasgado em dois. Intensifica a busca do que procuras, para que não nos volte a afastar.

Navega comigo até nos perdermos no mar desta praia onde, até agora, apenas molhámos os pés…

Nunca seremos completos enquanto ficar algo por fazer ou algo por dizer, por isso rogo que, completes o teu voo e chegues onde o vento te levar, para que um dia possamos concluir aquilo que um dia começámos.

sábado, 3 de maio de 2008

Palavras

Não mudes de assunto, não contornes o que dissemos um ao outro, deixa-te levar pelo cheiro doce das palavras. Não abandones a conversa quando ela começa a queimar.

Deixa-te levar nos braços dos sons que saem dos meus lábios, enquanto eu me envolvo com os teus, sabes que sempre amei os teus. Sabes que sempre amei que me dissesses que me amas, e como o sabes.

Não abandones esta troca de palavras que nos seduzem e nos levam por caminhos por onde ansiávamos há muito conhecer. Em sonhos dissemo-lo, em sonhos não tivemos medo de o sentir. Não te fiques pela vergonha, lamenta apenas o que ficou por dizer e lamenta mais ainda pelos beijos que nunca demos.

Nunca fomos um caso mais, nunca fomos como outros, fomos só nós os dois, enquanto nos levámos pela leveza das palavras, enquanto nos deixámos levar pela leveza que os lábios nos deram às almas.

A ternura de uma excitação, a bênção de um olhar que nos trazia de imediato, um melhor nascer do sol após uma noite em que apenas palavras foram proferidas. Nunca em vão.

Os nossos discursos nunca foram os mesmos, mudávamos sempre que nos ensoberbecíamos de assuntos sem nexo, começando de novo. Desta vez falando apenas de algo que só nós experimentámos, deixando pelo chão os fatos que vestimos durante o dia, envolvendo-nos apenas na pele das palavras, trocando-as pelos nossos corpos.

Se me largares? Caio. Se me deixares? Sigo contigo. Se me ouvires? Sorrio. Se me falares? Respiro. Se me sentires? Vivo.

É tão simples como isso.