terça-feira, 29 de abril de 2008

Tempestade

No meio de ventos que me fazem perder a noção de onde estou, oiço trovões que me ensurdecem, vejo-me debaixo da chuva que me molha a alma seca e suplico por mais.

Quero a intensidade do gelo que me corta a pele, quero sentir o vento puxar-me para trás impedindo-me dessa forma de avançar para o abismo que se aproxima. Quero navegar naquele oceano louco de raiva, usando as mais portentosas embarcações como joguetes nas suas mãos, ludibriado pelo seu poder. Desejo desejar, ultrapassando assim a dormência e poder sentir de novo o sangue correr-me nas veias como louco.

Quero vergar e não partir, se isso não me fizer sufocar, se isso não me fizer perder o ar que me mantém vivo, para depois acordar e sentir o sentido da vida, então não verei resultados nas minhas acções mundanas.

Anseio ultrapassar o inferno, olhar o diabo nos olhos e rir-me dele, quero sentir o prazer de me queimar na sua pele enquanto o esbofeteio, com a luva de pele com que nasci, e dizer-lhe, de seguida, que não conseguiu.

Gritarei com Deus, com Zeus, com Buda e Alá, insinuando-lhes a verdadeira loucura que nasceu comigo naquela tempestade de fogo, que me marcou os olhos, que me marcou a pele, que me impregnou a alma.

Desejo a sensualidade da última dança a percorrer-me cada poro da minha pele, levando-me pelo mesmo instinto carnal, que me leva a beijar-te os lábios com a paixão de uma vida só, da única vida a que temos direito, por leis que não são as nossas e que nos fazem passar os anos ansiando o entranhar da morte vinda numa barca qualquer, ultrapassando qualquer tempestade que se lhe atravesse no caminho.

Sem atrasos, na hora certa ela lá estará com o seu robe negro, e eu sorrindo, lhe direi que também eu venci o disforme Adamastor, e que assim como ela, estou pronto para a tempestade que se segue.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril Sempre

Faz hoje 34 anos que um grupo de capitães chefiados por Otelo Saraiva de Carvalho deu início à chamada revolução dos cravos.

A revolução, ou como outros lhe chamam de forma diminutiva, golpe de estado, trouxe-nos algo com que até ali só se podia sonhar, a liberdade de expressão.

Palavras, como liberdade, fraternidade e igualdade puderam, enfim, sair do imaginário dos portugueses e serem postas em acção.

O regime fascista começado por Salazar que havia sido entregue de mão beijada a Marcelo Caetano, terminaria agora de forma abrupta, com a marcha de chaimites carregadas de esperança até ao quartel do Carmo, esperança por um país melhor, sem opressão, sem tiques imperialistas e regido por uma ideologia democrática.

Naquele dia todos os portugueses foram irmãos, naquele dia o amor fraterno que colocou o primeiro cravo na espingarda de um soldado, incendiou o país com gritos de viva a liberdade e o de vitória.

Apenas 4 pessoas perderam a vida,durante a revolução. Digo apenas, porque para aqueles que sobreviveram para testemunhar aquele dia memorável, o número de baixas é considerado aceitável, excepto para as famílias desses 4 que pereceram às mãos de PIDES desesperados, com medo das represálias que eventualmente pudessem sofrer, devido a anos de repressão cometida. Por isso decido deixar aqui, às famílias de todos os que ali se perderam, a minha mais sincera homenagem.

Salgueiro Maia é, na minha imaginação, a personificação de Abril, aquele que sem medo decide colocar-se à frente de uma arma de braços abertos, assumindo, com a sua coragem e verticalidade de capitão, a responsabilidade de evitar que a revolução que trouxe a democracia a Portugal, se transformasse num banho de sangue. Salgueiro Maia, transformou-se com o passar dos anos no anti-herói da revolução, no homem que apenas esteve ali para cumprir aquilo que a sua consciência ditou, sem desejos de protagonismo, sem ambições. A imagem que me ficará para sempre é aquela em que o vemos andando e mordendo os lábios de forma a suster as lágrimas emotivas do dia histórico que havia vivido.

Salgueiro maia viveu até 1992, quando morreu de cancro, nunca assumiu qualquer cargo político.

Hoje mais do que nunca, com uma abstenção a rondar os 50%, temos de repensar os valores de Abril, devemo-lo a estes homens, que naquele dia conseguiram fazer o que até ali era impensável. A voz que nos deram deve ser aproveitada, o valor da democracia deve ser colocado no seu devido lugar, o respeito para com o outro deve de existir. Liberdade, fraternidade e igualdade, levantemos bem alto o ideal de Abril.

Dedicado a Salgueiro Maia, José Afonso, aos 4 civis mortos pela PIDE e sobretudo a Portugal.

Grândola Vila Morena

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Histórias que me contam

Contam-me coisas. Dizem-me que somos os dois como ondas que rebentam no mar, intensas e barulhentas.

Guardarei todas as palavras que me explicam como somos, pois sei que um dia elas serão necessárias para as reflexões diárias que nos obrigamos a fazer.

Sei que as histórias que me contam, do que nós vivemos do que nós sentimos, são apenas uma ilustração banal de duas vidas cuja intensidade de um dia se terem cruzado nos explode nas mãos.

Com as palavras ásperas e duras utilizadas na narração de todas essas histórias que me contam, faria sentido que nos propuséssemos a um exorcismo de almas apoquentadas pela dor e amargura, para que expulsássemos o mal que vem de dentro, como um ácido se tratasse que nos corrói o que consideramos puro.

Utilizam metáforas, para nos identificarem com algo que não sabem explicar pois nunca o sentiram, utilizam eufemismos para suavizarem o que nós passámos, quando nós e apenas nós, conhecemos o ardor que nos trouxe aos lábios.

Sei também que as histórias que me contam e cujo fundamento da verdade que nelas se conhece e se mostra ténue como o nevoeiro que atravessámos, nos proporcionam horas de meditação sobre o que de errado fazemos, para que nos contem histórias assim.

Em todos os eventos relatados nessas histórias apenas um considero válido, aquele em que atravessamos juntos o que nos ditou uma vida que, nas histórias que me contam, está longe de ser perfeita, mas só eu e tu, e de repente conseguimos, e isso para mim é o que conta.

Banho ao luar

Na noite em que finalmente o desejo tomou posse, na noite em que o luar nos levou lentamente à beira daquele riacho pomposo e irónico.

Na noite em que nada do que dávamos como certo se revelou realidade, na noite em que apenas os desejos contaram e que as dúvidas e os medos ficaram para trás. Nessa noite.

Tomámos banho, rodeados pelas árvores que deitavam os seus ramos por cima de nós, como se nos acarinhassem, como se nos vigiassem, como se cuidassem de nós.

Deixámos as multidões dos circos urbanos, seguimos por aquela estrada que só nós os dois conhecemos e agora ali estávamos, sem mais nada, vestidos apenas com os nossos sorrisos e movimentando-nos dentro de água numa lentidão propositada, para que nos pudéssemos olhar mais tempo, do que o necessário, mas o necessário foi, todo o tempo que demorámos a nos olhar.

Perdemos as nossas roupas na margem, perdemos o nosso medo, perdemos todo o sentimento de culpa, mas a inocência que nunca se perdeu foi como o fundamentalismo que nos juntou, foi tudo aquilo que julgámos ser, foi lindo, arrepiante, intenso como a corrente do rio que parou impassível para que pudéssemos nadar na sua mansidão.

Os corpos que se tocaram como se de uma seda rara do oriente se tratasse, com uma rota específica em que iria dar ao nosso único propósito, o sentimento por que nos perdemos. A força de tudo o que partilhámos naquele banho ao luar, ficou espelhada nas águas junto com as estrelas, junto com a própria lua que nos alumiou, astros que não mais fizeram senão interferir com o seu brilho, numa noite que se tornou ainda mais perfeita com a sua presença.

Quando a lua se escondeu e deu lugar a um sol que envergonhado, nos sorriu, decidimos seguir nossos caminhos que por um momento se cruzaram, momento esse que nunca se apagou da memória de quem o viveu, de quem o sentiu.

Naquela noite, uma dádiva, uma loucura os sábios que decidam, os conservadores que o julguem. Não pretendo ilusões nem pretendo nada mais do que para mim significou passar contigo aquela noite, naquele rio que hoje ainda se lembra de nós e do que ali se sentiu.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Sons

Sons de risos rasgados em panos negros de cor, sons de lágrimas em lenços brancos, sons e apenas isso.

Quero ouvir o silêncio aquático de um mergulho eterno, em que a imagem do nada se funde na memória e em que a luz azul me leva para um sossego, onde levito impaciente.

Memórias de sons de acordes perdidos em noites de conversas, de leviandades em que a música das nossas vidas tocava e nós sorriamos com cumplicidade.

Sons de roupas a rasgarem com a fúria do amor, com a calma da paixão e em que eu e tu misturámos dor e prazer como se de uma bebida exótica e embriagante se tratasse.

Um som de dois batimentos cardíacos que se confundem e fundem num só, entre promessas de que ficaríamos juntos até quando víssemos a luz que nos levaria. Entre o ladrar dos cães que nos assustavam mas não nos demoviam de celebrar o que nos fazia deitar juntos.

Quero sentir de novo o som do tremor dos nossos corpos suados, por lutar contra os nossos fantasmas, juntos sem temer o inesperado que nos esperava, juntos sem temer nada, excepto a probabilidade de um dia algo nos separar.

Vivo a emoção de ouvir de novo o som do bater das asas de anjos nas ruas de Lisboa, junto ao Tejo, onde um dia te vi e onde sorrias, olhando para aquele que foi o lar de ninfas lusitanas e a inspiração dos mais impiedosos fados, mas tu sorriste.

Recordo o som da tua voz ecoando nos meus ouvidos, em que processava uma informação que me passavas devagar, com os lábios encostados aos meus precedendo um beijo que me iria explodir um mundo de sensações.

Recordo com um ardor desumano, o barulho dos passos que deste enquanto te afastavas, sem te lembrares dos sons que um dia sentimos.