terça-feira, 7 de outubro de 2008

Perfume

Ressenti-me esta noite do cheiro do éter que me entorpeceu as pernas e me toldou o andar, nas ruas por onde seguia sem me ver reflectido nas poças de água que a chuva do dia deixou.

Vi vultos que me prendiam a atenção pelas formas disformes que surgiam de rompante, sem beleza, sem o brilho natural abatidos pelo cansaço de mais um dia passado.

Calei-me com as vozes de mendigos que me suplicavam por algo que não entendi, ou fiz por não entender, a sua raiva alimentou-me por esses breves instantes em que me cruzei com eles e senti a ira nos seus olhos raiados na noite.

Continuei a minha viagem de percalços desconfortáveis em que o perdão foi a última coisa que me passou pela mente, em que as lembranças da dor foram mais fortes do que as de alegria que me abençoaram durante a vida.

O fim fazia mais sentido, seria o mais coerente, imaginei-o fechando os olhos e tentando pensar no nada que se seguiria, mas o nada acabaria por se tornar em tudo na minha mente perturbada, minada por recordações violentas e sem cor.

Esperei pela revelação que me surgiu por entre uma janela semi-cerrada por onde espreitei e senti o que me viria a acordar para algo que não esperava nem que sabia ainda existir, a dor lancinante do acordar veio com o teu perfume.

Enquanto espreitava o teu vulto perfeito sobre uma luz que não chegava para perceber quem eras, mas que me chegava para apreciar as tuas formas perfeitas, para jubilar com o prazer que me deu observar-te por breves instantes enquanto deixavas cair a tua camisa de noite cujos reflexos do cetim de que era feita, deixavam escapar um pouco mais do que pensei ser a perfeição.

O perfume que usavas durante a noite, deixava adivinhar que não a passarias só, afastei-me lentamente da janela que usei para espreitar a vida, que usei como uma injecção de adrenalina no peito que me levantou de uma não vida que me parecia certa.

A influência de uma beleza desconhecida foi, naquela noite, o ar que necessitava para conseguir o reflexo da minha pele numa vitrina por onde passei, deixei de ser o espírito que vagueava sem rumo nessa noite.

Deixaste em mim o perfume do desejo sem te ter tocado sem saber quem eras, passaste a ser a minha miragem perfumada, passaste a ser a minha visão sentida como uma musa que nem sequer sei como chamar.

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